ou: a minha filosofia para a composição da página Algorab Corvus
"Profeta!" - exclamo. "Ó ser do mal! [Profeta sempre, ave infernal! Pelo alto céu, por esse Deus, que adoram todos os mortais, fala se esta alma, sob o guante atroz [da dor, no Éden distante verá a deusa fulgurante a quem, nos [céus, chamam Lenora - essa, mais bela do que a aurora, a [quem, nos céus, chamam Lenora! "E o Corvo disse: "Nunca mais!".
No dia 4 de março de 2019 leram meu mapa astral pela primeira vez. Ainda tive a sorte de ser pessoalmente, com a Mariana do Luzeira Astrologia, pouquíssimos dias antes do lockdown. Nesta data soube do meu corvo pela primeira vez.
Era segunda-feira, dia da Lua, quando descobri que minha Lua ativa uma estrela binária no céu. A estrela é a do Corvo, de natureza de Saturno e de Marte, estrela da agourenta ave apolínea. A estrela é Algorab, da constelação Corvus.
Na época eu engatinhava — não que eu ande muito bem das pernas agora — na caminhada dos oráculos, então minha leitura foi para explicar como se funciona um mapa natal e o que diziam aqueles aspectos.
Mariana me disse algo sobre histórias creepy também terem seu lugar no mundo, e que seria papel do corvo trazê-las. A ave acabou se tornando logo do meu Estúdio São Jerônimo e do meu Algorab corvus.
Eu já havia chegado à ideia de um Corvo, a ave do mau agouro, repetindo monotonamente a expressão "Nunca mais", na conclusão de cada estância de um poema de tom melancólico e extensão de cerca de cem linhas. Então, jamais perdendo de vista o objetivo - o superlativo ou a perfeição em todos os pontos -, perguntei-me: "De todos os temas melancólicos, qual, segundo a compreensão universal da humanidade, é o mais melancólico?" A Morte - foi a resposta evidente. "E quando", insisti, "esse mais melancólico dos temas se torna o mais poético?" Pelo que já explanei, um tanto prolongadamente, a resposta também aí era evidente: "Quando ele se alia, mais de perto, à Beleza; a morte, pois, de uma bela mulher é, inquestionavelmente, o tema mais poético do mundo e, igualmente, a boca mais capaz de desenvolver tal tema é a de um amante despojado de seu amor"
— Filosofia da composição, Poe
Pesquiso Algorab desde então, seja em posts astrológicos no instagram, ou no famoso Constellation of words. Deixo abaixo tradução livre de trechos que indicam o que seria o papel de Algorab, as mitologias por trás de Corvus, e uma referência bibliográfica para quem quiser se aprofundar no estudo das estrelas fixas. Se algum estudioso quiser corrigir ou acrescentar algo, estou sempre disposta a aprender mais sobre as estrelas. Comente ou mande e-mail para algorabcorvus@gmail.com.
Corvus
Apolo deu um banquete para Zeus e, exigindo água, enviou o Corvo com uma taça (constelação Crater) para buscar o líquido. Em seu caminho, o Corvo se deparou com uma figueira e, descansando nela até os figos amadurecerem, se banqueteou com eles, até se lembrar de sua tarefa; temendo a ira de Apolo, ele pegou uma cobra aquática (constelação Hydra) e, em seu retorno, deu a desculpa de que Hydra o impediu de encher o copo por empatar o fluxo da fonte d’água, sendo essa a causa de seu atraso. O deus da profecia não caiu na mentira e ordenou, em punição, que o Corvo não deveria beber enquanto os figos não amadurecessem. Apolo pôs o corvo (constelação Corvus), a taça (Crater) e a cobra (Hydra) nos céus como um memorial, onde a cobra d’água protege a água do corvo eternamente sedento. Corvus agora pousa diante da taça d’água, mas jamais pode bebê-la.
Olha só aquele clube que da hora Olha o pretinho vendo tudo do lado de fora Nem se lembra do dinheiro que tem que levar Do seu pai bem louco gritando dentro do bar Nem se lembra de ontem, de hoje e o futuro Ele apenas sonha através do muro
— Fim de semana no parque, Racionais MCs
A respeito desse mito, já disse Bing Quock, Diretor-Assistente do Planetário Morrison da Academia de Ciências da Califórnia: Moral of the story: get your own water, Apollo! (Moral da história: vá você buscar sua água, Apolo!). Sou da mesma opinião.
Outro mito nos diz que Corvus, o corvo, recebeu de Apolo uma tarefa para ficar de olho em sua amante Coronis, que estava grávida. O corvo reportou para Apolo as más notícias de que ela o traía com outro. Irado, Apolo amaldiçoou o corvo, e sua cor mudou do então tom prateado para o preto que conhecemos. Coronis foi morta por Ártemis, irmã de Apolo, e a criança não nascida do casal foi resgatada por meio de uma cesariana; era Esculápio/Asclépio, deus da cura e da medicina que foi criado por Quíron.
Diversas estrelas compõem a constelação Corvus, sendo cinco as principais:
Alchita (Alfa) 12°32’ Mag: 4.0
Kraz (Beta) 17°40’ Mag: 2.64
Gienah Corvi (Gamma) 11°01’ Mag: 2.58
Algorab (Delta) 13°45 Mag: 2.94
Minkar (Epsilon) 11°58’ Mag: 2.98
Para os babilônios, Corvus era Mul Uga Mushen, um corvo celestial associado com Adad, o deus da chuva e tempestades, e sua ascensão heliacal — a primeira aparição do corvo — prenunciava a chegada das chuvas de outono.
— Bing Quock
Influências astrológicas da constelação Corvus
Robson: De acordo com Ptolomeu, Corvus é como Marte e Saturno. É dito que dá astúcia, ganância, ingenuidade, paciência, vingança, paixão, egoísmo, mentira, agressividade, instintos materialistas e às vezes faz com que seus nativos se tornem agitadores.
Algorab
Delta (δ) Corvus é uma estrela dupla (Delta Corvi A e Delta Corvi B), de magnitude 3.1 e 8.5, amarelo claro e roxo, na asa direita do corvo. Seu nome Algorab deriva do árabe الغراب al-ghuraab, que significa "o corvo".
Delta Corvi A possui 2,5 vezes a massa do Sol, enquanto Delta Corvi B possui 0,75 vezes a massa de nossa estrela, sendo considerada uma anã laranja. A distância mínima entre as duas é de 650UA (cerca de 650 vezes a distância entre Sol e Terra).
Influências astrológicas da estrela Algorab (citações)
Robson: De natureza de Marte-Saturno. Traz destrutividade, malevolência, diabolismo, repulsa e mentira, e está relacionada à limpeza ["scavenging": no sentido de vasculhar aquilo que foi descartado — no lixo, por exemplo, o aproveitamento daquilo que foi descartado — pensando na atividade dos corvos urbanos e sua necrofagia, essa atividade é bem corvídea].
The Living stars: Uma estrela de Marte-Saturno que pode mostrar o lado mais problemático de Libra, uma variação da verdade quando uma desculpa parece ser mais segura.
Houlding: Sua inteligência e ingenuidade, bem como seu distinto corvejar, lhe difundiu uma associação com malandragem, contação de histórias, retransmissão de mensagens e o servir os próprios interesses. Mas a cor de sua plumagem também possibilitou a conexão universal com malevolência, forças sinistras e avisos sinistros. As estrelas de Corvus compartilham essa reputação e os mitos clássicos que se relacionam com a constelação falam de desconfiança, motivos vergonhosos, insinceridade, regozijo no infortúnio alheio e o trazer más notícias.
Mar Muricy: E o bico do corvo, encurvado e negro, remete bastante à foice que Saturno carrega consigo. O símbolo de Algorab é simples: mentiras, entrega de informações sigilosas, falsas profecias e procrastinação. Como nos ensina Manilius, o corvo voa sobre os despojos [scavenging], se alimenta dos restos deixados para trás por outros animais maiores e mais ferozes que ele — não da carne, como fazem os urubus, mas dos olhos, como um bom marciano. O corvo senta ao ombro de Saturno e em seu companheiro fiel, o maléfico encontra alguém que saiba apreciar o tempo e usar da foice quando necessário for.
Curiosidade marcial: houve um navio da marinha americana (USN) chamado USS Algorab (AKA-8). Ganhou quatro estrelas de batalha por serviços prestados na II Guerra Mundial.
A idéia de fazer o amante supor, em primeiro lugar, que o tatalar das asas da ave contra o postigo é um "batido" à porta, originou-se de um desejo de aumentar, pela prolongação, a curiosidade do leitor, e de um desejo de admitir o efeito casual surgindo do fato de o amante abrir a porta, achar tudo escuro e depois aceitar a semifantasia de que fora o espírito de sua amada que batera.
Em Filosofia da composição, Edgar Allan Poe escreve sobre escrever, sobre como compôs O Corvo, de trás para frente, modificando a intensidade dos versos para causar um clímax com o derradeiro “Nunca mais”. Não seria essa complexa elaboração das palavras para causar um efeito, uma melancolia, próprias do Corvo, que para Apolo maquiou a verdade, ou disse verdade dura demais? Teria dito o Corvo ao corno Apolo, sobre Coronis, Nunca mais?
Perguntas cujas respostas lhe interessavam apaixonadamente ao coração, fazendo-as num misto de superstição e daquela espécie de desespero que se deleita na própria tortura, fazendo-as não porque propriamente acreditasse no caráter profético, ou demoníaco da ave (que a razão lhe diz estar apenas repetindo uma lição aprendida rotineiramente), mas porque experimentaria um frenético prazer em organizar suas perguntas para receber, do esperado "Nunca mais", a mais deliciosa, porque a mais intolerável, das tristezas.
Eu sou a Hel, de Lua-Algorab, Lua-bico-do-corvo em casa de Vênus, que exalta Saturno, e que com seu Aquário faz trígono. Lua que traz a Beleza da Tristeza, na oitava casa: a da Morte.
Não se esqueça de creditar, quando citar algo desse texto.
Referências
Asklepios. Theoi.
California Academy of Sciences. The Crow in the stars.
Corvus. Star names.
EBERTIN-HOFFMANN. Fixed Stars and Their Interpretation.
HOULDING, Deborah. Star Lore of Constellations. Corvus: The Crow.
MANILIUS. Astronomica.
NO BICO DO CORVO. Constelação do corvo e a procrastinação.
POE, Edgar A. Filosofia da composição. In: O Corvo. Cia das Letras.
ROBSON. Vivian E. The Fixed Stars and Constellations in Astrology.
Série Os mitos das estrelas. Mar Muricy
Star Myths. Corvus por Higino. Theoi.
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